terça-feira, 25 de dezembro de 2012
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Sozinha sentada na beira do rio
No dia da Lavagem do Senhor do Bonfim, irei caminhando do Comércio à Igreja, cantando, dançando, rindo e bebendo, junto com toda essa gente preta da Bahia - minha gente, minha raiz de fé - fazendo festa. É festa! Avisem aos orixás, "manda descer pra ver", na Terra tem um monte de gente preta marchando pelas ruas em nome do seu santo.
Chegando lá eu vou agradecer e também vou pedir, "toda fé tem um andor" e todo mundo tem ao menos uma fé. A fé é uma só. Eu vou pedir, porque tenho fé; vou pedir ao Senhor do Bonfim, a Oxalá, a Iansã, a Yemanjá, a Oxum; a todos os orixás; a mim mesma. Vou me pedir a verdade, a "verdadeira natureza interior", sem medo nem vergonha; deixar falar aquelas vozes caladas durante muito tempo, oprimidas. Vou me pedir que seja eu. E vou pedir também que as minhas feridas cicatrizem. Vou pedir a cura. Será sempre cicatriz, o meu corpo será prova do que vivi, não pretendo esquecer. Mas quero a cura. A cura permanente, a capacidade de encher de amor cada dor, misturando e fechando pouco a pouco a carne exposta. Se fechando, se protegendo, dia a dia, todos os dias da minha vida. Quero pedir proteção: "eu não ando só". Então lembro que não estou tão sozinha, que não sou tão dona da minha verdade, que faço parte de algo maior, infinito e belo, e que sirvo à harmonia da qual dependo, da qual dependemos.
Então acredito na paz do fim dos tempos.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Soltando a Pedra - Treinando para Viver a Paz
Partimos da reflexão sobre nossa disposição para viver cada momento de nossos dias com vontade a todo vapor e energia abundante. Há diversas dicas de ‘bem estar’ e para o ‘Viver Bem’, que passam pela alimentação, pelo ‘respirar correto’, pela qualidade do sono, pelas motivações que justificam viver cada fato, mas em destaque apresento a economia de energia psíquica. É possível verificar que em diversos momentos nossa energia psíquica, em particular nossa disposição mental, parece ficar desgastada, reduzida, tensa: é como se o cansaço mental limitasse até o ato de pensar ordenadamente e de agir de acordo com o que se intenciona e o que se pensa. Na realidade, amigo leitor, não só parece: é um fato! Cansaço mental é um fato e um dos limitadores de desempenho nas relações e na qualidade de vida.
Alguns dizem que o desgaste é causado por excesso de atividade mental, e a essa ideia eu credito validade, sem dúvidas! Contudo, há uma situação em particular que chama muito nossa atenção por resultar não só em desgaste mental, mas também em experiência de sofrimento – e sofrimento evitável – e justamente por ser algo que está sob nossa vontade, torna-se, nesse momento, o foco de nossa reflexão: o pensamento ao qual nos apegamos e que significa ou resignifica uma situação ou fato e ao qual não queremos nos soltar.
A que me refiro exatamente? Àquele pensamento ou padrão mental que parece insistente, e que dá significado a uma situação que vivemos ou mesmo uma relação pessoal, e compromete nossa qualidade de vida à medida que persiste e consome nossa energia, além de causar sofrimento. Consideremos alguns exemplos: o pensamento que tem por alvo o ciúme e a possessividade, o pensamento ou padrão mental que tem por alvo que nosso trabalho é somente fonte de stress, o pensamento que tem por núcleo que nada funciona em nossa vida – quando, por exemplo, a TV pifa na hora da novela. São pensamentos retroalimentados por tônica negativa e que, em razão de causar sofrimento, é algo rejeitado, combatido até, mas mesmo assim está sempre presente: “ela vai acabar se interessando por outro” ou “o trabalho só me causa sofrimento, quão bom seria se pudesse parar tudo” ou “sou azarado e nada funciona em minha vida: basta eu desejar um pouco de paz para que algo deixe de funcionar... e justo na hora da novela!”.
Há pelo menos dois elementos muito, mas muito curiosos, em pensamentos aos quais nos apegamos e que são causa de sofrimento: o primeiro é nossa insistência em conservar um elemento totalmente contraproducente; em segundo, a necessidade ou a quase inevitável relação com a realidade de modo a filtrar eventos, fatos e acontecimentos para encontrar provas que validem o padrão mental. Vejamos como isso ocorre: o ciúme pode estimular o sujeito a encontrar provas de que é justificável pensar do modo que pensa – como se o pensamento quisesse sobreviver ou tivesse que. Então se alguém olha para sua parceira, ou se ela olha para uma direção qualquer em que haja pessoas, ou se ela sorrir ao conversar com alguém, tudo prova que o sujeito está sob-risco e que pode ser “passado para trás” a qualquer instante. E o sujeito? Sofre. E a relação? Também sofre. Nesse caso, o apego ao padrão mental que nutre o ciúme é sustentado pela tentativa de controle e pelo desejo de evitar que o que é temido possa se concretizar. Medo de remotas possibilidades e necessidade de controle. Quantas relações não acabam por causa de remotas possibilidades – medo e controle (ciúme)?
Seja qual for a situação vivida, o padrão mental quase obsessivo e o pensamento persistente, considere que é como uma pedra preciosa em suas mãos. Uma pedra bruta, cheia de pontas e asperezas que ferem. O que fazer com algo que fere nossas mãos enquanto seguramos? Soltar. Eis o que precisamos fazer: soltar a pedra. Mas e o valor dela, e a importância dela? A preciosidade está no aprendizado que podemos extrair da experiência de conhecermos a pedra, ou melhor, o pensamento, e o reeditar de modo a substituí-lo por outro que não seja sabotador.
Tomemos os exemplos: do ciúme, do medo de ser deixado de lado e do desejo de controlar, migremos para a confiança em quem amamos e em nós mesmos; da impressão de que o trabalho só têm desvantagens, a solene decisão de permanecer nele ou de partir para outros prados e, se a escolha for permanecer, não fixar o olhar nos espinhos do caule da rosa, mas sim no todo, principalmente na flor e no seu perfume e beleza; da impressão de que nada funciona quando a TV para de funcionar na hora da novela, para a impressão de que um evento pode não funcionar conforme o desejado, mas centenas de outros fatos funcionam, e as centenas de outras coisas que permanecem funcionando têm o seu valor.
Estabelecemos relações de preservação do que é improdutivo ou até contraproducente, na tentativa de garantirmos algum controle sobre nossas vidas: sem que percebamos, nos sentimos relativamente frágeis, e por isso mesmo não apreciamos correr riscos, ou mudar o “status quo”, e tampouco apreciamos a entrega em confiança à vida, à Razão que permeia tudo e todas as coisas, ao fluxo, se não houver ao menos algum meio de preservação do controle. Não apreciamos correr o risco, pois desejamos muito o prazer, a estabilidade e a segurança em nossas vidas, mesmo que a preço de sofrimento. Isso soa contraditório, mas um exame até superficial de nossas experiências comprovam esses fatos. A soltura e a confiança no Fluxo da existência – de modo incondicionado - correspondem a uma escolha audaciosa, porém gratificante e realizadora.
Quanto ao conforto associado ao que funciona ou não funciona em nossas vidas, é simples notar que o exercício do reconhecimento -diariamente observar as inúmeras dádivas em nossas vidas– produz a “inteligência da gratidão”, que além de deliciosa é muito instrutiva. Se o televisor parou de funcionar no momento que o programa predileto iria começar pode se revelar uma grande oportunidade de compreensão da existência de incontáveis fontes de realização além daquele programa de TV, e não dependemos da TV, ou em outros termos, nossa realização e nosso bem estar não estão condicionados a um entretenimento ou outro evento qualquer que seja. E sejamos amigos da simplicidade nesse campo, amigos: enquanto nosso coração pulsar, nossos corpos servirem de abrigo, já temos muitas e muitas coisas funcionando perfeitamente em nossas vidas, que tal?
Seja qual for o pensamento ou o padrão mental sabotador, podemos aprender com a relação que estabelecemos com nossa realidade à medida que a resignificamos de acordo com tais padrões mentais, e, principalmente, podemos aprender a valiosíssima lição de soltar, desprender, nos desapegarmos de tais pensamentos. A pedra fere a mão? Soltemos a pedra. Abrir mão, desapegar, reeditar um pensamento, escolher um modo de pensar diferente para substituir o que nos fere ou até que fere alguém é algo simples e realizável. Soltemos as pedras, amigo leitor, e treinemos a substituição de pensamentos inválidos por aqueles que são escolhidos, válidos e nutritivos. E então, vamos prosseguir e treinar? Um grande abraço.
Marcelo Hindi – Professor e Psicoterapeuta Holístico
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Eu sei, mas não devia
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.
As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.
Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colasanti - texto extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco, 1996.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.
As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.
Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colasanti - texto extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco, 1996.
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