Partimos da reflexão sobre nossa disposição para viver cada momento de nossos dias com vontade a todo vapor e energia abundante. Há diversas dicas de ‘bem estar’ e para o ‘Viver Bem’, que passam pela alimentação, pelo ‘respirar correto’, pela qualidade do sono, pelas motivações que justificam viver cada fato, mas em destaque apresento a economia de energia psíquica. É possível verificar que em diversos momentos nossa energia psíquica, em particular nossa disposição mental, parece ficar desgastada, reduzida, tensa: é como se o cansaço mental limitasse até o ato de pensar ordenadamente e de agir de acordo com o que se intenciona e o que se pensa. Na realidade, amigo leitor, não só parece: é um fato! Cansaço mental é um fato e um dos limitadores de desempenho nas relações e na qualidade de vida.
Alguns dizem que o desgaste é causado por excesso de atividade mental, e a essa ideia eu credito validade, sem dúvidas! Contudo, há uma situação em particular que chama muito nossa atenção por resultar não só em desgaste mental, mas também em experiência de sofrimento – e sofrimento evitável – e justamente por ser algo que está sob nossa vontade, torna-se, nesse momento, o foco de nossa reflexão: o pensamento ao qual nos apegamos e que significa ou resignifica uma situação ou fato e ao qual não queremos nos soltar.
A que me refiro exatamente? Àquele pensamento ou padrão mental que parece insistente, e que dá significado a uma situação que vivemos ou mesmo uma relação pessoal, e compromete nossa qualidade de vida à medida que persiste e consome nossa energia, além de causar sofrimento. Consideremos alguns exemplos: o pensamento que tem por alvo o ciúme e a possessividade, o pensamento ou padrão mental que tem por alvo que nosso trabalho é somente fonte de stress, o pensamento que tem por núcleo que nada funciona em nossa vida – quando, por exemplo, a TV pifa na hora da novela. São pensamentos retroalimentados por tônica negativa e que, em razão de causar sofrimento, é algo rejeitado, combatido até, mas mesmo assim está sempre presente: “ela vai acabar se interessando por outro” ou “o trabalho só me causa sofrimento, quão bom seria se pudesse parar tudo” ou “sou azarado e nada funciona em minha vida: basta eu desejar um pouco de paz para que algo deixe de funcionar... e justo na hora da novela!”.
Há pelo menos dois elementos muito, mas muito curiosos, em pensamentos aos quais nos apegamos e que são causa de sofrimento: o primeiro é nossa insistência em conservar um elemento totalmente contraproducente; em segundo, a necessidade ou a quase inevitável relação com a realidade de modo a filtrar eventos, fatos e acontecimentos para encontrar provas que validem o padrão mental. Vejamos como isso ocorre: o ciúme pode estimular o sujeito a encontrar provas de que é justificável pensar do modo que pensa – como se o pensamento quisesse sobreviver ou tivesse que. Então se alguém olha para sua parceira, ou se ela olha para uma direção qualquer em que haja pessoas, ou se ela sorrir ao conversar com alguém, tudo prova que o sujeito está sob-risco e que pode ser “passado para trás” a qualquer instante. E o sujeito? Sofre. E a relação? Também sofre. Nesse caso, o apego ao padrão mental que nutre o ciúme é sustentado pela tentativa de controle e pelo desejo de evitar que o que é temido possa se concretizar. Medo de remotas possibilidades e necessidade de controle. Quantas relações não acabam por causa de remotas possibilidades – medo e controle (ciúme)?
Seja qual for a situação vivida, o padrão mental quase obsessivo e o pensamento persistente, considere que é como uma pedra preciosa em suas mãos. Uma pedra bruta, cheia de pontas e asperezas que ferem. O que fazer com algo que fere nossas mãos enquanto seguramos? Soltar. Eis o que precisamos fazer: soltar a pedra. Mas e o valor dela, e a importância dela? A preciosidade está no aprendizado que podemos extrair da experiência de conhecermos a pedra, ou melhor, o pensamento, e o reeditar de modo a substituí-lo por outro que não seja sabotador.
Tomemos os exemplos: do ciúme, do medo de ser deixado de lado e do desejo de controlar, migremos para a confiança em quem amamos e em nós mesmos; da impressão de que o trabalho só têm desvantagens, a solene decisão de permanecer nele ou de partir para outros prados e, se a escolha for permanecer, não fixar o olhar nos espinhos do caule da rosa, mas sim no todo, principalmente na flor e no seu perfume e beleza; da impressão de que nada funciona quando a TV para de funcionar na hora da novela, para a impressão de que um evento pode não funcionar conforme o desejado, mas centenas de outros fatos funcionam, e as centenas de outras coisas que permanecem funcionando têm o seu valor.
Estabelecemos relações de preservação do que é improdutivo ou até contraproducente, na tentativa de garantirmos algum controle sobre nossas vidas: sem que percebamos, nos sentimos relativamente frágeis, e por isso mesmo não apreciamos correr riscos, ou mudar o “status quo”, e tampouco apreciamos a entrega em confiança à vida, à Razão que permeia tudo e todas as coisas, ao fluxo, se não houver ao menos algum meio de preservação do controle. Não apreciamos correr o risco, pois desejamos muito o prazer, a estabilidade e a segurança em nossas vidas, mesmo que a preço de sofrimento. Isso soa contraditório, mas um exame até superficial de nossas experiências comprovam esses fatos. A soltura e a confiança no Fluxo da existência – de modo incondicionado - correspondem a uma escolha audaciosa, porém gratificante e realizadora.
Quanto ao conforto associado ao que funciona ou não funciona em nossas vidas, é simples notar que o exercício do reconhecimento -diariamente observar as inúmeras dádivas em nossas vidas– produz a “inteligência da gratidão”, que além de deliciosa é muito instrutiva. Se o televisor parou de funcionar no momento que o programa predileto iria começar pode se revelar uma grande oportunidade de compreensão da existência de incontáveis fontes de realização além daquele programa de TV, e não dependemos da TV, ou em outros termos, nossa realização e nosso bem estar não estão condicionados a um entretenimento ou outro evento qualquer que seja. E sejamos amigos da simplicidade nesse campo, amigos: enquanto nosso coração pulsar, nossos corpos servirem de abrigo, já temos muitas e muitas coisas funcionando perfeitamente em nossas vidas, que tal?
Seja qual for o pensamento ou o padrão mental sabotador, podemos aprender com a relação que estabelecemos com nossa realidade à medida que a resignificamos de acordo com tais padrões mentais, e, principalmente, podemos aprender a valiosíssima lição de soltar, desprender, nos desapegarmos de tais pensamentos. A pedra fere a mão? Soltemos a pedra. Abrir mão, desapegar, reeditar um pensamento, escolher um modo de pensar diferente para substituir o que nos fere ou até que fere alguém é algo simples e realizável. Soltemos as pedras, amigo leitor, e treinemos a substituição de pensamentos inválidos por aqueles que são escolhidos, válidos e nutritivos. E então, vamos prosseguir e treinar? Um grande abraço.
Marcelo Hindi – Professor e Psicoterapeuta Holístico
Muito verdadeiro o texto. Soltar as pedras que nos ferem... que necessário! Mas acredito que o pensamento é expressão de um sentimento, e que sentimento é esse? E se ele nos dói, como encontrar a cura para essa dor?
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