Aos trinta e três anos de idade, numa tarde cinza de domingo, bateu-me à porta uma senhora que se identificou como Angústia das Graças.
Disse-me que seu pai, Feliciano Dias das Graças, filho de Temporino de Jesus e Maria das Dores, deu-lhe esse nome porque ela tinha cara de sorte. Disseram-lhe: “com aquela linda carinha de sorte, não tinha como querer nome melhor”.
Meu primeiro impulso foi inventar uma desculpa qualquer, dizer que iria sair pra comer pipocas com amigos, mas a senhora era esperta:
_Sem desculpas meu filho, se nunca deixar eu entrar na sua casa, meus filhos continuarão importunando você. Nem com a morte, vão deixar-lhe em paz.
Diante do profetismo seguro daquela graciosa senhora e do imenso medo que eu tinha de seus filhos, velhos conhecidos meus, convidei-a para entrar, ofereci um lugar pra sentar, um pedaço de bolo de chocolate que sobrou do meu último aniversário, mas ela não aceitou.
_Não gosto mais de coisas que lembrem o tempo. Meu pai morreu e sinto falta dele.
Encaixei-me numa daquelas poltronas velhas da minha sala e comecei a conversa com uma voz cansada e medrosa:
_Então, o que a senhora faz aqui?
_É exatamente o que eu queria saber? Por que me chama tanto? Por que me procura tanto, mas nunca ouve o que digo? – falou-me com uma expressão amorosa e preocupada.
Fiquei algum tempo parado, sem falar nada. Fui até o meu quarto, peguei uns caderninhos velhos que estavam perdidos dentro de um armário mais velho ainda, uns comprimidos dourados que guardava pra uma emergência qualquer e um livro profético que não lembro mais do nome. Foi difícil segurar todos aqueles objetos com apenas duas mãos, mas levei-os até a minha sala grande.
_Estão aqui.
A senhora os apanhou com calma, colocou-os dentro de uma sacola florida e levantou-se. Advertiu-me de que não era saudável mais fazer aquilo. Deu-me um cartão de visita e foi até a porta.
_Na próxima vez, ligue-me. Verá que tudo será mais fácil.
A senhora virou-se e foi embora.
(...)
Foi uma ótima tarde. Bem triste, é verdade, mas ótima, já que depois dela nunca mais temi a visita daquela senhora.
Rafael, você é mulher. e eu nem ligo, porque vai entender isso do jeito certo :)
ResponderExcluir"Super-Homem, a Canção"
ResponderExcluir(Gilberto Gil)
Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter
Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É o que me faz viver
Quem dera pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera
Ser o verão no apogeu da primavera
E só por ela ser
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus o curso da história
Por causa da mulher
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um deus o curso da história
Por causa da mulher