"Neste quarto de fogo solitário
no telhado um letreiro esfumaçado
candeeiro no peito iluminado
o cigarro no dedo incendiário"
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Organizar festas nunca tinha sido realmente fácil para ele, embora ele sempre tivesse se metido a promoter dos eventos dos colegas. Mas esta noite damião nem estava preocupado. Primeiro porque não era bem uma feeeesta assim, na acepção tradicional da palavra. Segundo porque não tinha como dar errado: “era uma reuniãozinha entre amigos, todos ávidos por aquela mesma ‘vibe’”, pensava ele (tentando mais uma vez afastar da mente essa palavra de que não gostava – estadunidense, “modinha”, mas que sempre surgia como melhor opção pra descrever essa sensação).
A casa era grande, com uma área externa fabulosa, que contava com um jardim muito bem acabado, um vasto espaço com mesas e cadeiras, além de uma piscina imponente. Ali já dera festas memoráveis, é certo, “mas hoje não era pra essas coisas”, pensou. Hoje o modelo de festa era outro; mais para um sarau mesmo, como sempre sonhou (e nunca, até então, tinha conseguido fazer). Preferiu, então, o subsolo da casat: muito menos recursos festivos, claro, mas tinha o suficiente (e adequado).
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Ia caindo a noite e damião terminava de arrumar o ambiente pra receber os (poucos) convidados. Como a casa era construída em desnível, pregada à encosta de um monte, mesmo do subsolo tinha uma agradável vista para o largo espaço de mata ainda virgem que a cercava por detrás. Ele revestiu todo o chão com tapetes e almofadas, acendeu um incenso em cada extremidade do pequeno espaço, apagou as luzes centrais (mais fortes), deixando a cargo da penumbra a tarefa de permitir a visão (ainda faria aquela festa no escuro absoluto com que também sempre sonhara); certificou-se de que colocara os vinhos na mesinha central (onde também arrumou o eficientíssimo narguile), ligou o aparelho de som com as músicas pré-selecionadas e pronto: estava organizado o cenário. Aconchegante como ele queria. Faltavam apenas os atores.
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“Uns foram trazendo um amigo aqui, outro acolá, outros trouxeram suas namoradas, seus namorados, teve gente que trouxe o primo distante que tava hospedado em casa, e por aí vai”, respondeu damião, ao questionamento de um amigo surpreso pelo rumo que aquela festa ia tomando, tão distante do projeto inicial.
Não completara nem a primeira hora e já era a terceira vez que saíam para buscar coisas que julgaram faltosas ali. Primeiro foi a cerveja, depois o gelo e por último o disco da nova banda que estava “bombando” no país.
O subsolo já não abrigava ninguém, todos subiram para a boa e velha área da piscina. Havia mais do que o triplo do número esperado de convidados. Tinha gente caída desacordada por excesso de álcool, homem pelado dentro da piscina, menina carinhosa dando pedaços de presunto ao cachorro, um sujeito dançando com o ouvido colado à caixa de som (esta muito mais potente do que aquela, e que a essa hora tocava estridente um som metálico) e até um casal (ou eram três pessoas?) trancado nas dependências da lavanderia.
“I-s-s-a-q-u-i t-á-m-u-i-t-o-d-e f-u-d-e-r!”, gritava ao pé do ouvido de damião o cunhado da namorada de um outro amigo seu.
E estava mesmo “d-e-f-u-d-e-r”. Aquela festa (quem duvida?) estava realmente transbordando alegria. Todos (rigorosamente, todos) estavam muito contentes, muito mesmo. Radiantes até. Era um transbordar de excitação e júbilo. Um sucesso.
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Já ia o sol alto quando o último conhecido qualquer de um convidado deixou a casa, e damião voltou ao subsolo da casa lentamente. Ele tomou de uma almofada velha e sentou-se à beira da mesinha de centro. Queimou mais um incenso e deixou-o deitado no chão, derretendo livremente. Sorveu um gole de vinho que sobrara no fundo de uma taça esquecida, reacendeu o narguile e recostou a cabeça confortavelmente.
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Puxou um farto trago, fechou os olhos e decretou em pensamento: que comece a festa.
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Queima babilônia!
ResponderExcluirTexto perfeito...
Grande Damião!! Mostrando que é possível, mesmo em meio a turbulências, não se desviar do objetivo inicial...a festa continua...
cigarro no dedo incendiário.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFalando nisso, a gente já vai se formar e ainda não rolou um sarau...!
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